Parte I: Como sobreviver ao trânsito
Vai trocar o carro pela bicicleta, uma vez por semana que seja?
Parabéns! Você vai chegar no seu destino cansado mas feliz. É sério!
A endorfina liberada pelo exercício físico vai fazer você ter um dia
melhor no trabalho. Só por não ter se estressado em esperar aquele
sinal que abriu e fechou três vezes até que os cinco carros na sua
frente passassem (te deixando para trás) já vai fazer uma diferença
enorme. Você vai queimar aquelas gordurinhas que insistem em
continuar aí, por mais que você reze para São Regime. Vai economizar
combustível e provavelmente vai até chegar mais rápido. Vai melhorar
sua capacidade respiratória e correr menor risco de infarto.
Se você continua lendo, ótimo, acho que eu já te convenci. Mas se
acha que essa coisa de bicicleta não é para você e quiser continuar
andando de carro, tudo bem. Continuo sendo seu amigo. Apenas peço
que continue sendo meu amigo também: na próxima vez que estiver de
carro e me vir de bicicleta, ultrapasse a uma distância segura e dê
uma buzinadinha que eu retribuo o cumprimento.
Se você decidiu adotar a bicicleta, ou está pelo menos pesando se
isso é possível ou não, eu vou colocar aqui uma série de artigos
para te convencer que isso é possível sim - e te ajudar nessa
tarefa. Neste artigo, eu vou dar dicas de como se portar no
trânsito. Eu sei que você já é crescido e sabe atravessar a rua, não
é isso. Eu quero ajudar você a não correr riscos desnessários e a
desfazer a idéia de que pedalar junto com os carros é coisa de
maluco. É viável, desde que você tome os cuidados necessários. Como
tudo na vida.
Primeira coisa: capacete é indispensável, ainda mais pra andar no
trânsito. Se você passa num buraco e cai, mesmo devagarzinho, corre
o risco de bater com a cabeça no chão e vai ter um traumatismo
craniano que pode ser grave. Não quero isso para ninguém.
Luva não é imprescindível mas é uma boa, por dois motivos. Primeiro
que se você não usar, a manopla vai comendo sua mão e você pode
ficar com a palma da mão ardendo e até com bolhas. Com a luva isso
não acontece. Segundo que se você cai, sempre tenta parar a queda
com a mão e vai esfolar ela toda se estiver sem luva.
Ande sempre pela direita e na mão dos carros. Há uma série de razões
para não andar na contra-mão e todas visam a sua segurança. Um
pedestre que vai atravessar a rua só olha para o lado de onde vêm
carros. Um carro que vai entrar em uma rua, também. Ele não espera
uma bicicleta vindo na contra-mão. Um carro fazendo uma curva à
direita não espera uma bicicleta vindo na direção contrária no lado
de dentro da curva. Um motorista que estacionou e vai abrir a porta,
olha só no retrovisor para abrir a porta, não olha para a frente. Um
carro saindo de uma vaga onde está estacionado, idem.
Além disso, a velocidade em que você se aproxima de um carro é muito
maior se você estiver na contra-mão, porque ela é o resultado da
soma das velocidades dos dois veículos. Se você está a 20km/h e o
carro a 40km/h, você estará se aproximando dele a uma velocidade
relativa de 60km/h. O carro vai ter menos tempo pra reagir à sua
presença e desviar de você, fora o fato de que uma colisão nessa
velocidade faz um bom estrago. Se nesse exemplo você estiver no
mesmo sentido do carro, a velocidade relativa entre ambos será de
20km/h: o carro tem mais tempo para desviar e a chance de colisão
diminui. E, numa possível colisão, o estrago será menor. Claro que
eu espero que ninguém descubra isso na prática, por isso é melhor
confiar na matemática! :)
Outra coisa importante: cuidado com as portas dos carros parados!
Muito motorista olha no retrovisor procurando o volume grande de um
carro e não vê a magrinha bike chegando. Ou olha em um ângulo que
faz a bicicleta ficar em um ponto cego. Ou é distraído mesmo! Tem
gente que abre a porta com tudo, empurrando com o pé. Por isso fique
a uma distância que se algum distraído abrir a porta ele não te
derrube. Fique a pelo menos um braço dos carros parados e preste
atenção se há pessoas dentro deles. Se o motorista ameaçar abrir a
porta, grite "portaaa!", geralmente o motorista percebe e puxa ela
de volta.
Não precisa andar com a bike muito colada na direita, em cima da
sarjeta, senão os carros vão passar muito rentes e você pode
desequilibrar e cair só com o susto. Eles são obrigados pelo código
de trânsito a passar a 1,5m de você, mas não sabem disso porque não
é ensinado na auto-escola. Não precisa também andar no meião da
pista, mas ande a pelo menos meio metro da calçada, assim você tem
espaço também para desviar de algum buraco sem ter que ir mais para
a esquerda. E os carros vão ter que esperar até ter espaço
suficiente para te ultrapassar, sem te colocar em risco. E mesmo que
te fechem, você ainda tem um respiro para fugir para a direita sem
cair na calçada.
Mas seja compreensivo com os motoristas: quando você passar por um
trecho considerável onde não houver carros parados, dê uma recuada
para a fila de carros atrás de você desafogar. Assim aquele
motorista que está atrás de você há alguns minutos sem conseguir te
passar vai embora antes de se irritar com você. Apesar de você estar
no seu direito, muitos motoristas não vêem assim. Melhor evitar que
eles se irritem.
Sempre sinalize para os motoristas o que vai fazer, com sinais de
mão. Peça passagem, dê passagem, sinalize que o motorista pode
passar quando você parar para esperar ele, avise quando você for
precisar entrar na frente dele por causa de um carro parado e espere
para ver se ele vai parar mesmo. Agradeça se ele parar ou te der
passagem. Respeite e será respeitado.
Um ciclista educado é melhor recebido pelos motoristas. Motoristas
são bem suscetíveis a abordagens educadas. Quantas vezes já não
vimos um motorista, que está se posicionando para não deixar outro
entrar na frente dele, ceder quando o primeiro faz um simples sinal
com a mão? Pois esse sinalzinho de mão, acompanhado de um sorriso e
seguido de um sinal de agradecimento, faz milagres... Muitos que
estiverem te vendo como "um folgado ocupando a rua" vão pensar "pô,
pelo menos o cara é educado". Já é alguma coisa e pode ser a
diferença entre uma situação de risco ou não. E esses motoristas
passarão a tratar melhor o próximo ciclista que eles virem. Ou seja,
com boas maneiras no trânsito você acaba ajudando a todos nós.
Um ciclista com roupa de ciclismo, capacete, óculos e luvas é muitas
vezes interpretado pelos carros como um atleta em treinamento ou
alguém que sabe o que está fazendo. Alguém que não vai desviar pro
meio da rua sem olhar, alguém que não vai ralar o guidão na porta do
motorista no sinal fechado e não vai ficar fazendo hora na frente
dele se isso não for necessário. Ciclistas "fantasiados" são mais
respeitados pelos motoristas.
Tente evitar grandes avenidas. Em São Paulo, por exemplo, as
marginais e a 23 de Maio, por exemplo, nem pensar. A Av. Brasil por
exemplo é mais tranqüila. Faria Lima também dá pra pegar, mas é
melhor pegar algumas ruas que ficam entre essas duas avenidas,
principalmente quando estiver começando a se aventurar no trânsito.
E em horários de pico, fica difícil trafegar em qualquer grande
avenida, porque tem pouco espaço para os carros e fica difícil
passar até de bike.
Como regra, se você estiver com medo de pedalar em certa avenida,
melhor não fazê-lo, até porque se você estiver inseguro pode cometer
algum erro bobo, como se desequilibrar por exemplo. Avenidas onde o
fluxo de carros segue a uma velocidade alta mesmo na pista da
direita são desaconselháveis.
Calçada é para pedestres. Se precisar passar pela calçada ou
atravessar na faixa de pedestres, o código de trânsito manda
desmontar da bicicleta, como os motociclistas (conscientes) fazem
(art.68, §1º). E essa lei não é apenas uma regra arbitrária feita
por quem nunca andou de bicicleta, há motivos suficientes para não
andar na calçada com a bicicleta. Os pedestres que estão de costas
para você podem dar um passo para o lado sem te ver chegando. Um
carro pode sair de dentro de uma garagem de prédio e te acertar em
cheio, ou aparecer na sua frente de um modo que você não consiga
desviar. E o errado (e machucado) vai ser você...
Idosos morrem de medo de bicicleta na calçada, porque eles têm um
compreensível medo de se machucar, sobretudo aqueles que estão em
uma idade em que um osso quebrado pode ser impossível de ser
consertado. Se você passar com a bicicleta na calçada perto deles,
eles vão te xingar e estarão com toda a razão. Comparativamente, é o
mesmo que um caminhão vir na sua direção e desviar na última hora.
Eles podem cair só com o susto de ver a bicicleta chegando.
Quer mais um bom motivo para não andar na calçada? Uma criança pode
aparecer correndo de dentro de alguma casa. Já pensou ter na
consciência o atropelamento de uma criança de três anos? Péssimo,
né? Melhor não correr esse risco. Fique sempre na rua. Se quiser
passar pela calçada, desmonte e vire pedestre.
Cuidado nos cruzamentos. Não passe sinal vermelho com a bike, porque
um carro pode vir rápido para aproveitar o sinal amarelo e você
errar o pé no pedal na hora que precisar fugir dele com pressa. Ou
pode aparecer um pedestre atravessando a rua correndo, olhando só
para o lado de onde ele espera vir o perigo.
Em faixas exclusivas para ônibus, alguns não são muito pacientes com
ciclistas, porque têm que sair da pista exclusiva para te
ultrapassar e quando o tráfego está intenso isso é meio complicado
para eles. Quando o trânsito aperta, os carros não costumam dar
espaço para um ônibus que quer sair da faixa exclusiva, então só
lhes resta te apertar. Se o trânsito estiver pesado e o fluxo
estiver lento-quase-parado, é melhor tentar trafegar pela pista da
esquerda (desde que seja uma via de mão única, claro). O código de
trânsito dá respaldo a essa atitude.
Em esquinas onde muitos carros viram à direita, tome cuidado
adicional. De vez em quando um carro que está na segunda pista vira
rápido na rua porque lembrou disso na última hora, ou porque não
deixaram ele mudar de pista. Quando ele calcula rapidamente se vai
dar tempo, ele analisa só os carros que estão vindo. E se um carro
der passagem para ele, ele entra. Mesmo que ele tenha te visto
chegando, ele pensa que "bicicleta anda devagar, dá tempo". E entra.
Às vezes o cara da primeira pista mesmo, que tá do seu lado, pensa
isso. Por isso, quando você vir que muita gente vira ali à direita,
sinalize com a mão que você vai seguir reto, ou peça passagem com a
mão. Sempre com a mão esquerda, que é aquela que os carros vêem.
Sempre perceba o que os carros vão fazer ou podem vir a fazer na sua
frente. Olhe para trás para ver se não está chegando um maluco
voando para entrar na rua que está 5 metros à sua frente. Sinalize
para que os carros possam antecipar o que você vai fazer. Não fique
fazendo zigue-zague, não entre sem olhar numa avenida, não mude de
pista sem avisar, mesmo que o motorista esteja lá atrás. Do mesmo
modo que ele pode calcular mal sua trajetória e achar que vai dar
tempo de passar na sua frente, você pode se enganar ao achar que vai
dar tempo de mudar de pista. Se você sinalizar, o carro diminui.
Veja e seja visto.
Willian Cruz
Autor
Fonte: http://z004.ig.com.br/ig/22/22/112022/blig/freeride/2004_09.html#post
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Disponibilizado na lista de discussão do Rebas do Cerrado, em 04Abr2007, por Marcio Bittencourt